O editorial abaixo foi publicado na última edição do Journal of the Brazilian Chemical Society:
A demanda crescente por combustíveis "verdes" para a substituição dos
combustíveis fósseis levou, em todo o mundo, ao lançamento de programas
para a produção de biocombustíveis. O governo brasileiro, ao lançar
primeiro o programa do álcool e depois o do biodiesel, saiu na frente
nessa corrida. Hoje, no Brasil, é obrigatória a adição de álcool à
gasolina (em teor que varia de 20 a 25% de acordo com a oferta de etanol
anidro no mercado) e de biodiesel ao diesel (com teor fixo de 5%)¹.
Para atender a demanda anual por mais de 40 bilhões de litros da mistura
diesel/biodiesel, a produção desse biocombustível no Brasil já passou
de 2 bilhões de litros ao ano, com uma forte tendência de aumento para
conseguir acompanhar o crescente consumo da mistura diesel/biodiesel,
que hoje cresce a uma taxa de quase 1% ao mês.
A vantagem dos biocombustíveis em relação aos combustíveis fósseis é a
diminuição de emissão de CO2, SOx, fuligem e hidrocarbonetos. No
entanto, se por um lado os biocombustíveis são menos poluidores, por
outro a sua produção exige grandes áreas de terras agricultáveis. Como a
demanda por combustíveis para transporte aumenta anualmente, a produção
de biocombustíveis exigirá cada vez mais terras aráveis, e isso começa a
ameaçar a segurança alimentar, porque produzir mais álcool significa
produzir menos açúcar, e também porque, no Brasil, a maior parte do
biodiesel é feita a partir do óleo de soja. Para que esse problema não
se agrave, será necessário desenvolver novas tecnologias e,
principalmente, passar a usar resíduos urbanos, industriais e agrícolas,
além de novas fontes de biomassa como matéria-prima para a produção de
biocombustíveis².
Entre as muitas alternativas de produção de biocombustíveis, o cultivo
intensivo de algas e fungos vem recebendo especial atenção devido à
possibilidade de se produzir até 200 vezes mais óleo ou açúcar por
hectare, sem a necessidade do uso de terras férteis.
Tanto as algas como os fungos podem ser colhidos em poucos dias, o que não exige infraestrutura para armazenamento.
Esse fato levou pequenas e grandes empresas e muitos acadêmicos, em todo
o mundo, a investirem recursos e muito tempo às pesquisas com algas
como fonte de óleo e açúcar.
Os resultados alcançados, em pequena escala de laboratório, são
animadores. Entretanto, todas as experiências com algas, em grande
escala, para a produção de óleo visando a biocombustíveis falharam.
As principais razões dessas falhas foram:
1 - ataque de cepas selvagens não produtoras de óleo;
2 - preço alto dos nutrientes;
3 - o óleo obtido geralmente tem alto teor de ácidos graxos livres e elevado índice de iodo;
4 - dificuldades em se desidratar a alga para extração do óleo;
5 - controle difícil dos parâmetros acidez, temperatura e nutrientes
para evitar quedas bruscas na produção e até mesmo a extinção dos
cultivares das algas.
Como a tecnologia para a produção de biodiesel foi toda desenvolvida com
base em catalisadores básicos³ o alto teor de ácidos graxos no óleo
obtido de algas encarece o seu processo de produção, pois são
necessárias onerosas etapas prévias de purificação. Esse problema é
agravado pelo alto grau de insaturação do óleo que, por isso, é muito
sensível à oxidação, sendo necessária a modificação do óleo antes de seu
processamento ou o uso de aditivos antioxidantes. Em consequência, o
custo de produção de óleo a partir de algas é hoje cerca de 20 vezes
superior, por exemplo, ao do óleo de soja.
As algas têm grande potencial como futura fonte de matéria-prima para a
produção de biodiesel. Entretanto, para que esse futuro se torne
realidade, é necessário que se encontre condições adequadas para seu
crescimento em grande escala, para que a produção de óleo seja viável
economicamente. Até que isso aconteça, a produção de biodiesel a partir
de algas deve ser encarada como uma solução de longo prazo. É por essas e
outras razões que grandes empresas anunciaram recentemente que vão
interromper suas pesquisas neste campo.
Hoje, a produção de biodiesel a partir de algas depende fortemente da
pesquisa fundamental e de desenvolvimento tecnológico. Se as agências de
fomento tiverem linhas de financiamento para estudos com algas para a
produção de óleo, o Brasil poderá ganhar mais essa corrida dos
biocombustíveis e começar, talvez, o que se pode chamar de uma segunda
"revolução verde".
Os programas do álcool e do biodiesel, além dos dividendos econômicos
que renderam ao País, serviram para mostrar que sempre que há
financiamento, os pesquisadores brasileiros se destacam no cenário
internacional. O melhor exemplo é a liderança brasileira no ranking
mundial das publicações científicas envolvendo estudos sobre biodiesel.
Editorial assinado pelos professores Paulo A. Z. Suarez
(Universidade de Brasília) e Angelo C. Pinto (Universidade Federal do
Rio de Janeiro e Editor JBCS).
Fonte: BiodieselBR
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